Monday, July 29, 2024

Esconjuro!

Publicado no Jornal A Tarde 

Dizem que o Tinhoso, quando não vem, manda os secretários. E também se comenta que ele, o Sujo, é dono de imensas riquezas materiais, o que nos faz crer que possa contratar inúmeros prepostos. O cotidiano parece confirmar essa ideia.

Vinha eu caminhando em paz e discretamente pelo Centro de Salvador, carregando meus 50 anos nos ombros, quando uma vendedora ambulante me aborda e, com mil insistências, me exige experimentar a sua castanha caramelizada, que seria crocante, fresquinha e vitaminada. Tantas fez a dona, abusando da simpatia, que aceitei degustar uma porção pequena, até bem adoçada, mas que não valia o preço cobrado. Recusei comprar, e a vendedora ameaçou chamar a polícia.

— Pode chamar o Exército! — Respondi indignado, julgando-me em mais um golpe dos que se aplicam na avenida. Logo eu, que trabalhei em feira livre, no interior, e dava pedaços de frutas para os fregueses provarem! Fui embora resmungando, xingando até em braille, enquanto a moça ficou chorando as castanhas, nós dois engasgados com o caso.

Mas as insídias do Inimigo nos testam até nas horas de lazer. Numa manhã de sábado, eu cheguei cedo numa praia em Salvador, sentei-me numa barraca e passei a desfrutar do atendimento lento e errático. Como eu estava entregue à preguiça, deixei a paciência bronzear.

Mais tarde, quando as mesas já estavam lotadas de famílias, com adultos e crianças conversando tranquilamente, o dono do estabelecimento ligou sua aparelhagem de som no máximo volume, tocando músicas que devem ter sido compostas por um bestiário de depravados. Em volta do balcão estavam os amigos do barraqueiro, recém-chegados, que não consumiam nada mas se deliciavam com aquele inferno.

Alguns clientes continuaram se esforçando para manter o diálogo debaixo dos sombreiros, mas a maioria parecia paralisada, talvez anestesiada pelo convívio regular com aquele tipo de afronta.

Chamei o garçom, paguei e saí.

Quando já estava a quase 500 metros, fui alcançado pelo dono da barraca que vinha me perguntar pela conta, com uma cara de poucos amigos. Relatei o pagamento a um funcionário chamado Rodiney ou Rildney, mas ele disse que não empregava gente com aquele nome. Mostrei no celular o pix para um certo Rauldiney, que foi finalmente reconhecido como trabalhador da bodega. Não ouvi nenhum pedido de desculpas. 

E voltemos ao centro. Oremos! Mas não tão alto, por favor. Porque aqui aconteceu uma mudança naquele hábito de defumar as lojas com incenso ou aspergir alfazema e água com açúcar, ou lavar o negócio com sal grosso. Talvez os comerciantes não creiam mais nessas práticas ou tenham resolvido reforçá-las com um exorcismo pesado à base de música religiosa estridente, gritada toda manhã nos ouvidos dos funcionários, dos transeuntes e dos primeiros clientes do dia.

Parece que a intenção é alcançar as profundezas, fazendo o rumor invadir bueiros, formigueiros, o metrô e as camadas ainda mais baixas, nos territórios de Asmodeu, Belzebu e Rauldiney.

E assim vamos vivendo, com o Cão assediado de um lado e as religiões exorcizando a alma das pessoas. Deus nos acuda!



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