Alcântara, segundo Josué Montello
“Agora me dize: com tanta recordação bonita, por que não hei
de ficar a um canto, com as minhas saudades? Nesse ponto, sou também como a
minha cidade: eu e Alcântara estamos voltados para o passado, e com muito
gosto...”
“O silêncio, para os velhos, é um tirocínio para o silêncio
da eternidade. Fala-se aí em salvar Alcântara. Salvar, como? Com as fábricas
que estão erguendo em São Luís? Deus nos livre e guarde! Alcântara tem que ser um
refúgio, com esta solidão propícia. A rendeira tecendo a sua renda, o pescador
pescando o seu peixe, o santeiro encarnando o seu santo. Depois da sesta, uma
moça bonita que se debruça da sacada, com uma flor no cabelo, para ver o
namorado passar. Tudo singelo e ao natural, como a água de coco e o ingá que se
come no pé. Em São Luís tens amigos influentes. Só lhes faça um pedido, em nome
dos que ficam por aqui: - Não bulam em Alcântara. Deixem que ela seja como é,
na paz e no remanso de sua velhice. O melhor camarão do mundo é o nosso. E o
peixe-pedra também. Mas não espalhes. Bico calado.”
“De repente, já longe, teve a sensação nítida de que ia
andando pela alameda de um cemitério. As casas fechadas eram sepulcros, e ali
jaziam condes, barões, viscondes, senadores do Império, deputados,
comendadores, sinhás-donas, sinhás-moças, soldados, mucamas, juízes,
vereadores, sacerdotes. Somente ele, assim desperto dentro da noite, estaria
vivo na cidade de mortos. E uma impressão instantânea de frio gelou-lhe as mãos e os pés, com a ideia de que, também
ele, ia permanecer em Alcântara para sempre, encerrado no mausoléu de seu
sobrado.”
(Noite sobre Alcântara - 1977)