Tuesday, October 18, 2011

Alcântara, segundo Josué Montello


Alcântara, segundo Josué Montello


“Agora me dize: com tanta recordação bonita, por que não hei de ficar a um canto, com as minhas saudades? Nesse ponto, sou também como a minha cidade: eu e Alcântara estamos voltados para o passado, e com muito gosto...”

“O silêncio, para os velhos, é um tirocínio para o silêncio da eternidade. Fala-se aí em salvar Alcântara. Salvar, como? Com as fábricas que estão erguendo em São Luís? Deus nos livre e guarde! Alcântara tem que ser um refúgio, com esta solidão propícia. A rendeira tecendo a sua renda, o pescador pescando o seu peixe, o santeiro encarnando o seu santo. Depois da sesta, uma moça bonita que se debruça da sacada, com uma flor no cabelo, para ver o namorado passar. Tudo singelo e ao natural, como a água de coco e o ingá que se come no pé. Em São Luís tens amigos influentes. Só lhes faça um pedido, em nome dos que ficam por aqui: - Não bulam em Alcântara. Deixem que ela seja como é, na paz e no remanso de sua velhice. O melhor camarão do mundo é o nosso. E o peixe-pedra também. Mas não espalhes. Bico calado.”

“De repente, já longe, teve a sensação nítida de que ia andando pela alameda de um cemitério. As casas fechadas eram sepulcros, e ali jaziam condes, barões, viscondes, senadores do Império, deputados, comendadores, sinhás-donas, sinhás-moças, soldados, mucamas, juízes, vereadores, sacerdotes. Somente ele, assim desperto dentro da noite, estaria vivo na cidade de mortos. E uma impressão instantânea de frio gelou-lhe  as mãos e os pés, com a ideia de que, também ele, ia permanecer em Alcântara para sempre, encerrado no mausoléu de seu sobrado.”


(Noite sobre Alcântara - 1977)