Há cerca de um ano caí no golpe de um falso editor enquanto participava de um debate numa feira literária no exterior. O caso não teve maiores consequências, mas acabou virando anedota e deixou algumas lições. Tudo começou quando o funcionário da embaixada brasileira, que seria o mediador das discussões, recebeu a mim e ao Maurício de Almeida, participante da mesma programação, e nos apresentou a um figurão. Segundo o agente da diplomático, aquele homem teria imenso interesse em traduzir nossos livros.
A conversa foi rápida e logo adentramos o auditório para encontrar a sala cheia, o público interessado. Ao tomarmos assento, no entanto, o tal editor, sem ser convidado, meteu-se entre nós na mesa. Permaneceu ali todo o debate sem dizer uma palavra, apareceu nas fotografias e, tudo encerrado, evaporou como cânfora. O próprio agente diplomático nos deu o sinal de que havia sido enganado por aquele fanfarrão, cujo interesse não era dinheiro, apenas desfrutar de falso prestígio. O episódio ganhou alguma repercussão nos bastidores da feira, provocando risos nos envolvidos na produção, à exceção do anfitrião da embaixada, desnecessariamente mortificado.
Conto aqui esse fato para mostrar como o meio literário também respira a atmosfera do show business (There's no business like show business). Geralmente é área de ar rarefeito, mas pode carregar as virações, mormaços, redemoinhos e furacões do mundo da música, do cinema etc. Às vezes tem só uma brisa enganadora, como também acontece em outras artes. Aliás, já faz alguns meses, a imprensa levantou suspeitas sobre um prêmio literário internacional que prometia maravilhas, mas que não contava com patrocinador nem estrutura. De um lado, os jornalistas insistiam que era embuste, página de internet fraudulenta, registros falsos e outros indícios, e, do outro, os supostos charlatães alinhavando justificativas. Certo é que o prêmio não levantou voo e entrou para o folclore como um marco do nonsense.
Outra coisa que sempre me chocou e que ainda me choca aqui, ali, alhures, é perceber que esse mesmo meio literário reproduz todos os vícios da sociedade, da mesma forma que os departamentos universitários, as congregações, as santas casas, os partidos e as igrejas, enfim, os clubes de carteado. Disputas de poder acirradas, misoginia, filiações, estratificações de todos os tipos, sentimentos exacerbados e ilhas, algumas de excelência. A princípio isso me desconcertou porque eu vinha de outro sonho feliz de cidade, mas logo amigos das letras desfizeram o estranhamento revelando o óbvio: que a literatura não é feita no paraíso, nem na ilha flutuante de Gulliver.
Essa descoberta, felizmente, veio acompanhada do reconhecimento de indispensáveis gestos de solidariedade profissional, que garantem em todo lugar a sobrevivência dos artistas e do seu trabalho. Algo que nos faz ver além dos elogios, das bajulações e das incompreensões. Essa compreensão do ambiente nos fortalece também no convívio com nossos próprios estranhamentos e nossas inspirações, muitas vezes indomadas, e com as paranóias e mistificações em geral.
Em meio a essa permanente tempestade, a literatura tenta sobreviver no/ao negócio, mas mantendo sua substância. O escritor é como o Louco do Tarot, alienado a caminho do abismo, enquanto lhe gritam (ele surdo) que não se precipite. E até essa figura bizarra oferece uma imagem positiva para os cartomantes: a de um elemento introspectivo e ao mesmo tempo arrojado, sempre pronto a encerrar tudo, sempre pronto a recomeçar.
A literatura é salto para quem escreve e susto para quem a acompanha roendo as unhas, apreensivo com cada movimento. E todos, mesmo os fanfarrões, têm os olhos rutilados de desejo por essa aventura.