Monday, November 02, 2015

Nó na língua



Dia desses desisto de escrever com correção, pelo menos no whatsapp, onde todos estão engolindo pontos de interrogação, juntando agente e onde “tudo estar bem”. Às vezes me policio e digo: “você tem que dar o exemplo, a língua é um dos fundamentos da República”.
Certo é que quando vejo uma palavra com uma grafia diferente da que estou acostumado, questiono se estou errado e até vou ao dicionário (às vezes a falha é minha mesmo!), mas meus interlocutores parecem não se importar se redijo “quando?” e me respondem “cuando puder!”. Nenhum problema nisso, entendo as carências da sociedade e, como diria meu amigo Zezão, a recorrente legenda “a falta de políticas públicas”.
A questão é que a República Língua tem problemas maiores. Um mototaxista no interior me contou que seu irmão foi preso em setembro e solto em março. Diante de meu olhar confuso, indagou:
- Depois de setembro, vem o quê? Março ou maio? Eu não entendo essas coisas...
Outro dia, conversando com um estudante de Direito, alertei para o fato de a população pobre achar que questões criminais são resolvidas com pagamentos. Paga-se R$ 3 mil a um advogado, obtém-se um habeas corpus e o sujeito é solto. O processo, que é apenas mais um na pilha imensa do fórum, não anda e o réu primário volta à vida normal, para nunca mais errar. Para a sua família carente custou uma fortuna, mas o problema está liquidado, fez-se a Justiça, perdoou-se o pecado leve - usar uma moto desviada, dirigir embriagado etc.
Lembro da dupla Chico Buarque e Gilberto Gil perguntando “Esse pileque homérico no mundo, de que adianta ter boa vontade?”. E antes que eu decida o que fazer, o whatsapp vibra no meu bolso dizendo “O mundo vai acabar no domingo. Repasse para 12 amigos que você sobrevive”. Vou repassar.


Sala de visita, quarto de hóspedes


Já é regra de etiqueta para toda pessoa descolada: quando chegar uma visita em sua casa, é de bom tom oferecer a senha do wifi, além do tradicional copo d´água. E que a água seja gelada, pois aquela que você tira direto do filtro - e diz "É natural, melhor para a saúde" – só é natural nos hospitais e nas torneiras dos banheiros de shoppings.
Quanto às outras regras de recepção, basta ter chá e simpatia, até porque quem deve andar na linha são os visitantes. As normas para eles podem ser resumidas a uma só: não bote fogo na casa. Literalmente.
Lembro de um amigo que tomava uns porres e depois apagava no tapete da minha sala... Com um cigarro aceso. No dia seguinte, encontrávamos o corpo tombado, já rolado para os ladrilhos e o cigarro ao lado, completamente queimado. As cinzas jazendo sobre a fria lajota, graças a Deus!
Recepcionar bem é uma arte, inclusive receber as visitas dos hóspedes. Um ex-colega, que agora trabalha em outro estado, passou uns dias no meu apartamento e apareceram vários conhecidos para cumprimentá-lo. Chegou o momento em que o ambiente ficou insuportavelmente cheio, e eu acabei saindo à francesa, para procurar abrigo na casa de uma vizinha.
Já escorria pela escadaria do prédio, escondido, quando uma mão me agarrou: era o meu hóspede, querendo saber aonde ia. Não deu outra, acabamos escapando os dois juntos, deixando o apartamento – e aquela barulheira - ao Deus dará. 
Claro que existe gente mais tolerante, como um amigo que hospedou um sujeito que mal conhecia, encontrado num evento profissional. Depois de alguns dias, o homem se volta para ele e diz:
- Sua mulher é fiel mesmo, hein? Tirei a prova disso hoje.
O cara-de-pau demorou mais uns dias por ali, na paz que favorece aos bobos. Meu amigo até hoje dá risada.

Reencarnação

Se a reencarnação exist(iss)e mesmo, por que é que as almas viriam exclusivamente de vidas passadas, e nunca de vidas futuras? Será que haveria essa limitação e esse unidirecionamento temporal também no mundo espiritual? E por que haveria somente fantasmas originários do passado e nunca fantasmas do futuro?

Tuesday, February 24, 2015

Lovecraft, 1923



Sono uno che odia l'attualitá; um nemico del tempo e dello spazio, della lege e della necesssitá. Sogno um mondo di mistero gigantesco e affascinante, di splendore e terrore, nel quale non siano altri limiti se non quelli della libera immaginazione.

H.P. Lovecraft, 1923

Tuesday, January 20, 2015

Expressões artísticas de cunho popular em cemitérios brasileiros



A professora Maria Elizia Borges Brasil, da Universidade Federal de Goiás, deu uma contribuição significativa à compreensão da carga simbólica relativa à morte no Brasil com seu artigo "Expressiones Artísticas de Cuño Popular em Cementerios Brasileños", disponível na internet. Iniciando com uma abordagem mais geral sobre a arte cemiterial e o luto burguês, que envolvem altos investimentos e padrões artísticos mais tradicionais, Maria Elizia aprofunda o debate sobre expressões decorativas de sepulturas populares, cuja tônica é o improviso conduzido pelos familiares dos falecidos.
Mais do que isso, a professora detecta que os familiares empregam neste improviso, muitas vezes, materiais que sobram de obras em suas residências (azulejos e tintas etc), ou aquilo mais que aflorar do cotidiano doméstico, como flores de plástico, embalagens recicladas (vidros de café solúvel etc), vasos de cerâmica ou porcelana, e até mesmo lembranças de viagens, como miniaturas e animais de louça e de pelúcia. Também aplicam mão de obra menos qualificada: ao invés de escultores, tratam diretamente com pedreiros e artesãos. Isso tudo pode ser reconhecido nos nichos de sepulturas, muitas das quais têm formato de pequenas capelas/casas, e em ossuários.
A autora também reconhece nesta montagem uma forma de os familiares elaborarem seu luto e se reconhecerem na relação com o falecido. "A participação familiar na feitura do túmulo é uma das maneiras através das quais comprovamos a necessidade sentida pela família de elaborar melhor a perda do ser querido. As pessoas necessitam de aproximar-se dos túmulos, criar um ambiente íntimo e de recolhimento, para que possam exercitar o ato de devoção, fazer-lhes visitas e embelezá-los com flores" [tradução nossa].
Outros dois aspectos nos chamam a atenção: um deles, mencionado pela autora, é a renovação periódica destes ambientes, principalmente nos dias de finados. De nossa parte, salientamos que, em alguns casos, a construção da sepultura pode levar tempo, seja porque a família precisa contratar os serviços de pedreiros, encomendar lápides, transportar materiais etc, seja porque o funeral gerou despesas que precisam ser superadas pelo orçamento familiar antes da formatação da sepultura – o que, em alguma escala, sempre demanda recursos. Esse tempo de espera também se integra, acreditamos, ao ritual de elaboração do luto citado pela professora.