Thursday, November 29, 2012
Thursday, November 15, 2012
O Navio
(Para Kátia Borges)
Sete horas do Brasil
Você dorme como um pai
Um limão que o sol queimou
Um leão que não me viu
À luz mortiça do relógio digital
Um arrepio,
um sibilo, e o silêncio, era um sinal
E eu queria um herói que não mentisse
Um espírito do tempo alumbrado
Me falando que entrou pela janela sem que eu visse
Que eu tivesse mais cuidado com ladrão
Ou então,
Nem tão parecido a um pai,
Você que acorda
E se vira pro outro lado
Mais um suspiro, choro pálido, calado,
O mundo inteiro balançando a sua rede,
O meu navio no seu sonho naufragado
Friday, November 09, 2012
Ecce vacuum
Numa coisa, o homem
puxou a Deus: nada os incomoda mais do que o vazio. Para o homem,
então, vazio é melancolia, tédio, tristeza e é a ameaça de morte
iminente. O silêncio é assustador, o escuro é assombrado. Do nada,
do fundo do éter, o caos nos observa afiando as suas unhas,
escondido. Por que temos esse medo, essa expectativa de que algo vai
brotar eruptivo do vazio? E por que assim, inesperadamente,
intempestivamente, de forma a suprimir todas as outras coisas,
tragando um universo enorme? Quando foi que isso já aconteceu?
Thursday, October 18, 2012
Do mural da rodoviária de Feira de Santana
"Depois da feira voltaram
Às quatro horas e meia
Não sei que horas chegaram
Talvez na hora da ceia
Quando a raça proletária
Por não terem luminária
Acendem a pobre candeia"
Sunday, June 24, 2012
Anteontem
Anteontem
A morte é como o dia de amanhã:
Ninguém sabe a sua cara, mas confiamos em Deus
Então limpamos os tanques
Raspamos o limo seco dos tanques
Apuramos a vista costurando no escuro
Banhamos os pés e dormimos cansados
Finalmente outra manhã
E não mexemos um dedo
O futuro vem de novo
E bagunça a casa inteira
Thursday, May 03, 2012
Semana Santa em Araci: fé, morte e ressurreição
Semana
Santa em Araci: fé, morte e ressurreição
Franklin Carvalho
Os ritos
da Semana-Santa estendem-se do Domingo de Ramos até o domingo seguinte, de
Páscoa. Há, no entanto um período de preparação espiritual, chamado de Quaresma,
que por sua vez tem início na Quarta-Feira de Cinzas. A Quaresma é marcada pela
prática de jejum e penitência, além de vias sacras realizadas às sextas-feiras
e liturgias especiais nas missas.
1) As
vias sacras são procissões que reproduzem o julgamento de Jesus, a caminhada em
direção ao calvário e o sepultamento, com paradas em catorze pontos chamados estações.
Elas são realizadas na zona urbana, entre a pequena capela (Capelinha) e a
igreja, na praça principal (Praça Nossa Senhora da Conceição). Podem ocorrer
também da capela do Bonfim (Alto do Bonfim, localidade a aproximadamente 5 Km do centro da cidade) para
a Igreja, passando pela Capelinha ou não. Quanto ao horário, acontecem às
quartas e sextas-feiras, de dia, logo cedo ou no fim da tarde, quando o
percurso envolve o Bonfim, ou à noite, quando vai da Capelinha para a igreja.
2) O
Domingo de Ramos representa a abertura da Semana Santa e é, paradoxalmente, com
relação aos dias dolorosos que se seguirão, um momento festivo. Isso ocorre
primeiro por causa das folhas verdes trazidas pelos fiéis, principalmente
galhos de palmeiras (Attalea oleifera - pindoba), para serem bentos
durante a procissão. Como já se sabe, a celebração faz referência à entrada de
Jesus em Jerusalém, montado num burrico, e à recepção calorosa que teve naquela
cidade. O colorido das folhas faz a diferença na liturgia, que inicia na igreja
e conclui com o desfile pelo centro da cidade, geralmente numa manhã
ensolarada. Ainda a respeito desta solenidade, é costume guardar-se a palha,
mesmo seca, para usá-la em situações de mau tempo. Caso caia um temporal,
conta-se, basta arremessá-la para fora de casa para aclamar a chuva ou
trovoada. A palha benta é geralmente afixada com prego atrás da porta principal
das casas, protegendo-as contra qualquer mal que queira adentrá-las.
3) A
movimentação de fiéis é grande também na Quarta-Feira Santa, na Procissão do
Encontro, que representa o momento em que Nossa Senhora
avista Jesus durante a sua caminhada em direção ao Calvário. A cerimônia ocorre
à noite. As mulheres da cidade saem da Igreja ou da Capelinha em procissão,
entoando cânticos, carregando a imagem de Nossa Senhora das Dores, e seguem em
direção à praça principal. Simultaneamente, os homens saem de outro ponto da
cidade (pode ser a Capelinha ou a casa de um membro da igreja) carregando a
imagem de Nosso Senhor dos Passos (Jesus em posição de queda, com a cruz às
costas), também entoando hinos. Os dois grupos se encontram em frente à igreja,
onde as imagens, ambas em tamanho natural, vestidas de roxo e carregadas em andores
de madeira, são contrapostas, como num encontro de duas pessoas. As imagens são
levadas em seguida para o interior da igreja e os fiéis se dispersam.
4) Na quinta-feira,
por volta das 18 horas, acontece a Missa do Lava-Pés, com representação da Santa-Ceia,
onde o padre faz o papel de Jesus e lava os pés de 12 homens, os quais trajam túnicas, figurando como os 12
apóstolos. Encerrada a missa, os fiéis
se dispersam e grupos de homens seguem para o Bonfim, portando copos de papel
com velas (fogaréus), a fim de participarem da Procissão do Fogaréu, cerimônia
que rememora a prisão de Jesus no Horto das Oliveiras. Enquanto isso, as
mulheres oram na igreja. No Bonfim, os homens fazem uma breve oração e voltam, caminhando
em filas com as velas acesas, marcando um trajeto de luz nas costas do morro,
enquanto entoam hinos dolorosos. Ao chegar à cidade, avançam pelas ruas mais
próximas da praça e depois seguem para a Igreja, onde o evento se encerra com
uma bênção do padre. Recentemente, o costume tem mudado com a participação de
mulheres, primeiro clandestinamente, depois com a provação da igreja. Outra
alteração é no ponto de partida da procissão, que passou a sair da igreja,
imediatamente após a missa do começo da noite. Neste caso, um único grupo vai e
retorna, com as velas acesas todo o tempo.
5) Na
sexta-feira, as famílias jejuam pela manhã e se banqueteiam com caruru, vatapá,
bacalhau e vinho no almoço. Neste dia faziam-se visitas e celebrações no
cemitério, costume quase abolido, e peregrinações ao Bonfim, em grupos de fiéis
ou por iniciativas isoladas, o que continua ocorrendo. As pessoas acendem velas
ou colocam pedras em torno ou nos braços das 14 cruzes que representam as
estações ao longo do morro ou na própria capela, no alto. O costume do banquete
e do vinho permanece, embora um padre (Padre Márcio) tenha solicitado a
transferência deste almoço para o Domingo de Páscoa e mesmo a sua supressão,
por penitência. Ainda na sexta-feira, ao pôr-do-sol, é feita a Procissão da Paixão,
na forma de uma via sacra, nas ruas próximas à praça. Uma mulher interpreta Verônica
abrindo, nas estações, o manto onde se estampa o rosto de Cristo ensangüentado,
imitando o Santo Sudário. A cada parada,
ela sobe em um banco carregado por um ajudante e canta “Ouvi todos que passais
a caminho do labor, atendei, vêde se há dor igual à minha dor”. A melodia é
entoada em voz agudíssima, chorosa, à luz do crepúsculo. Verônica é o
personagem essencial desta solenidade, embora haja também voluntários
representando Nossa Senhora, João Apóstolo e outras figuras da Paixão. Seguem-nos
o esquife com o Senhor-Morto, que está descoberto e é segurado por seis homens,
como um caixão em féretro, e um andor com a imagem de Nossa Senhora das Dores
(vestida em manto roxo). Após a procissão, somente o padre, seus acólitos e os
carregadores das imagens entram na igreja. Eles arrumam estas imagens e pouco
depois abrem as portas para que o povo em fila venha beijá-las. Começa aí a
vigília, ritual doloroso de veneração ao corpo do Cristo finalmente morto. Os cânticos, inclusive o Ofício da Imaculada
Conceição e o Ofício da Paixão, avançam até as 2 horas da manhã, e quanto mais
tarde fica, mais triste é a vigília. Recentemente, a vigília foi sendo
reduzida, encerrando-se à meia-noite.
6) No Sábado
de Aleluia, pela tarde, acontecia uma via-sacra. Como se concebe que Cristo
está morto, não se pode tocar o sino. Apenas a matraca (placa de madeira com
pedaço de ferro que se debate ao ser balançado, provocando um som de
ra-tá-tá-tá), convoca os fiéis para a procissão pelas ruas. Recentemente, este
evento foi transferido para a tarde da sexta-feira. À noite, acontece a Missa
de Ressurreição, de Páscoa ou de Aleluia. A celebração começa na entrada da
igreja, com o acendimento de uma grande vela, chamada círio ou brandão, pelo
sacerdote. Esta vela acende outras que são trazidas pelos fiéis e o fogo vai se
propagando de pessoa para pessoa. Assim que todas as velas estejam acesas, a
comunidade entra no templo e a missa começa.
Em seguida, acendem-se as luzes e apagam-se as velas. Antigamente a
missa acontecia à zero hora de sábado para domingo. Atualmente, a missa inicia
às 20 horas de sábado, encerrando-se por volta da meia-noite ou um pouco mais
tarde, com procissão no final. Esta
missa da ressurreição e esta procissão são as que contam com menos pessoas na
programação da semana. No caso da procissão, é a que tem menor trajeto,
resumindo-se à praça, enquanto outras abraçam ao menos as ruas adjacentes (As
vias-sacras e a procissão da paixão são, pela ordem, as maiores em trajeto). Na
noite de sábado pode acontecer a queima de Judas por iniciativa de populares.
Observações:
1) Na vigília
do Cristo-Morto (sexta-feira), o “corpo” (imagem), que tem tamanho natural e
está deitado sobre um esquife colocado próximo ao altar da igreja, é beijada e
tocado. O mesmo acontece com o véu finíssimo de tecido roxo que o envolve, seja
cobrindo-o ou apenas amparando a imagem, a depender de cada ano. Fiéis alisam o
corpo marcado com os estigmas de tortura, ajoelham-se ao lado dele, beijam-no,
oram, olham-no com atenção e muito sentimento e colocam suas crianças, mesmo
bebês, para tocarem a peça. Cadáver, a estátua é imóvel, como qualquer defunto.
2) Ainda
na noite da sexta-feira, as imagens do Cristo Morto e de N. SSA das Dores estão
colocadas em lados opostos do altar, cada uma ladeada por uma caixa para
ofertório. Alguns fiéis dividem a sua contribuição para contemplar cada um dos santos,
uma parte para Cristo, outra para Maria. A sexta-feira era marcada pela
presença de pessoas que trajavam preto em sinal de luto pela morte de Jesus,
costume que vem arrefecendo.
3) Se a
ressurreição diz que o crucificado é deus, como explica o cardeal da Bahia, é a
morte que o identifica como humano[1].
Talvez por isso, o ritual do funeral do Messias, na Sexta da Paixão, é muito
mais catártico e mais cercado de tabus[2]
e mais freqüentado do que a Missa de Páscoa. Essa última, relativa à
ressurreição, tem uma tendência a reproduzir a Missa do Galo, da madrugada do
Natal. Poderia se dizer que, na sexta, Cristo morre para toda a comunidade, que
acorre à Igreja ou participa de uma
longa procissão do esquife e do sudário
pelas praças, e no domingo ele ressuscita somente para o templo, que está
escuro no começo da cerimônia e cujas luzes são ligadas para sugerir a
iluminação do mundo. Acredito que os fiéis acorrem à procissão da paixão como
um momento de crise em que precisam intervir, como o adoecimento de um parente
que precisa de socorro ou um funeral de alguém próximo, mais propriamente
dizendo. Por outro lado, faltam à procissão da ressurreição porque esta, assim
como a superação de uma doença, será informada através de outros.
4) O
“Cordeiro de Deus” (ou o corpo de Cristo),
sacrificado e servido na comunhão, é visto como carne de Deus, pão que
se transforma em corpo ou matéria de Deus, não corpo humano de Cristo. A
eucaristia é a morte de Cristo reiterada a cada missa e, em seguida, a sua ressurreição.
A hóstia é inerte como um cadáver, mas o espírito vivifica o pão. A vida entra
e sai.
5) Na Paixão
católica, Cristo morre “por nossos pecados”, não somente para redimi-los, mas
por causa deles. Não somente para nos beneficiar, mas por nossa culpa, conforme
demonstra a liturgia, especialmente alguns cânticos:
“De
quanto sofrestes, fui eu causador, por estas torturas, perdoai Senhor”
“Por
vossa angústia, prece e suor, cálice do horto, perdoai Senhor”
“Pelas
bofetadas, com que em seu furor, vos ferem no rosto, perdoai Senhor”
(Perdão
meu Jesus, Anônimo)
“Este
coração ingrato e traidor é tão desleal ao meu Redentor...
Ao meu
Redentor, que para nos salvar, no lenho da cruz deixou-se cravar...
Deixou-se
cravar entre dois ladrões, para satisfazer por nossas paixões”
(A Nossa
senhora da Piedade, Anônimo)
6) O
rito anual da Paixão, reproduzido em pequena escala nas missas cotidianas, familiariza
a comunidade com a morte, incorporando-a à rotina das pessoas, como a morte de
Cristo se insere na rotina do calendário anual.
Todo morto refaz a trajetória do Messias (Cristo Morto), e voltará com
ele, até porque é velado e sepultado com o sinal da cruz. A cruz é símbolo de
sacrifício. Quando colocada sobre o túmulo do fiel, iguala a sua morte ao
sacrifício de Deus, sendo essa perda, por mais banal, também uma oblação pelo
perdão dos pecados.
7) Todas
as mortes, como a morte de Cristo, são vistas como eventos não-definitivos. O morto comum, como Jesus, passará do profano
(vivo) para o sagrado (transcendental), e a idéia de que ele possa ressuscitar
também como o Cristo, funda a cosmologia católica[3].
Essa cosmologia mantém uma relação de inter-colaboração dos vivos com as almas
dos mortos por meio de um instituto conhecido como Comunhão dos Santos, onde
todos se beneficiam pelo mérito do conjunto de fiéis. A idéia de “alma” tem a
ver com uma alteridade sagrada, da pessoa já falecida[4].
Não se trata somente de resgatar o passado, o morto e a lembrança do que ele
foi, mas projetar uma retomada. Ao invés de encerrar a trajetória existencial
do falecido, manter-se permanentemente no limite (liminaridade) vivos-mortos/profano-sagrado,
até o juízo final.
7) Uma
informante de 90 anos, católica praticante, relata que possui um cordão com 365
nós que ela foi fechando ao longo de um ano, enquanto rezava, um Pai-Nosso para
cada nó, para cada dia. O cordão será atado à sua cintura quando morrer, como
demonstração de penitência. Como ela confeccionou, em outros anos, outros
cordões, acabou presenteando os filhos com os sobressalentes. Guarda também
mortalha e camisola de madrasto para seu sepultamento. Tímida, ela fecha a porta da rua para me mostrar
as peças. Ficamos na penumbra, examinando as vestes. Disse que só ora por seus
mortos na igreja. Sabe que não deve orar por eles em casa (um informante no
cemitério me havia dito a mesma coisa). A senhora de idade diz ter ouvido isso
de um padre da ordem dos Capuchinhos, há muitos anos. Ela também cita a oração
“Sonho de Nossa Senhora”[5],
a qual diz ter sido lhe repassada pelo mesmo sacerdote, e que hoje ela não
lembra mais. Segundo recorda, quem orar a dita oração será avisado de sua própria
morte com antecedência de três dias, havendo tempo para se confessar.
Araci, 22/5/2012 (revisto em 26/11/2014)
[1] AGNELO, Dom Geraldo Magela,
Universalismo Cristão, artigo no Jornal A Tarde, Coluna Opinião, 24.8.2008, pg.
3. RODRIGUES, José Carlos, Tabu da Morte, Editora Fiocruz, 2ª Edição Revisada,
Rio de Janeiro, 2006, pg. 18.
[2] Segundo uma informante de 90 anos,
em Araci, fiéis mortos na sexta-feira da paixão não eram sepultados naquele
dia, reservado exclusivamente para as exéquias de Cristo, devendo aguardar até
o sábado de aleluia. A sexta da paixão também está cercada de mitos
relacionados ao aparecimento de fantasmas, licantropia, etc
[3] Sobre as categorias do sagrado e
do profano, transcrevemos Durkheim (1989): “ Todas as crenças religiosas
conhecidas, sejam elas simples ou complexas, apresentam um mesmo caráter comum:
...A divisão do mundo em dois domínios, compreendendo, um tudo o que é sagrado,
outro tudo o que é profano” (p. 68)...A coisa sagrada é, por excelência, aquela
que o profano não deve, não pode impunemente tocar. Certamente, essa interdição
não poderia desenvolver-se a ponto de tornar impossível toda comunicação entre
os dois mundos; porque se o profano não pudesse de nenhuma forma entrar em
relação com o sagrado, este não serviria para nada” (p. 72) (Durkheim, Emile,
As Formas Elementares da Vida religiosa, São Paulo, Ed. Paulinas, 1989,
[4]
Como
assinalou-nos um informante, no cemitério de Araci, na Sexta-Feira da paixão:
“eu rezo por meu irmão onde ele está e, lá, ele pede por mim aqui onde estou”,
ou ainda, como se lê no Ofício das Almas [4],
“Pede a Deus por mim que rogarei a Deus por vós, pois vós fostes como nós e nós
seremos como vós”.
[5] Encontrei referências na internet (Pan-Hispanic Ballad Project - http://depts.washington.edu/hisprom/optional/balladaction.php?igrh=0702) de uma tradição açoriana:
0702:1 La Virgen sueña la Pasión (8+8 estróf.)
(ficha nº: 2788)
Versión de Açores s. l. (Açores, Portugal). Recogida por Theóphilo Braga, antes de 1869. (Colec.: Braga, T.). Publicada en Braga 1982, Cantos, 66. Reeditada en Costa Fontes 1997b, Índice Temático (© HSA: HSMS), p. 259, U12. 026 hemist. Música no registrada.
Versión de Açores s. l. (Açores, Portugal). Recogida por Theóphilo Braga, antes de 1869. (Colec.: Braga, T.). Publicada en Braga 1982, Cantos, 66. Reeditada en Costa Fontes 1997b, Índice Temático (© HSA: HSMS), p. 259, U12. 026 hemist. Música no registrada.
Senhora Santa Maria, seu cabelo de ouro fino.
2
Perguntou seu bento filho se velava ou dormia.
Respondeu Nossa Senhora: --Filho, perguntas se
velo?
4
eu não velo e não durmo, pela vossa vinda espero.
Sonhei esta noite um sonho, mais valera não
sonhá-lo:
6
que o meu filho era morto, numa cruz crucificado;
seus sagrados pés e mãos numa cruz estão
pregados;
8
a sua sagrada boca cheia de fel e vinagre.
--Calai-vos, oh minha mãe, Senhora Santa Maria!
10
Não valera não sonhar, que isso verdade seria!--
Quem esta oração souber, quando este mundo
largar,
12
as portas do céu abertas de par em par achará,
pelas portas do inferno, nunca por lá passará.
Há versões mais recentes difundidas
(http://sentinelanoescuro.com/2011/11/02/o-sonho-de-nossa-senhora-na-espiritualidade-popular/):
O Sonho de Nossa Senhora: Estando Nossa Senhora / Com seu livro d’ouro na mão /
Meio lido, meio rezado, / Chegou seu filho Jesus. / - Mãe minha, / Que fazeis
aqui? / - Eu nem durmo nem rezo; / Esta noite sonhei um sonho, / Cruel Sonho!,
/ Vi-vos amarrar com rigorosas cordas, / Vi-vos prender com rigorosas correias.
/ Mãe minha, / Tudo quanto vós dizeis / É uma pura verdade. / Quem esta oração
disser / Três vezes ao dia / De má morte não morrerá, / O inferno não verá, /
Três [dias] antes da sua morte / Minha mãe Maria Santíssima lhe aparecerá: / -
Filha minha, / confessa os teus pecados / a meu filho Jesus. / Estão perdoados.Saturday, March 10, 2012
Roma
Gesú te donó le tombe per i papi
Gli etruschi e gli cesari tutti partii
Ma io sempre vedró
Questa cittá di merda
Tuesday, February 28, 2012
Futuro
Minha meta é virar árvore
Se não me enterrarem muito fundo
Se não cimentarem o cemitério
Acabo sendo
Se não me enterrarem muito fundo
Se não cimentarem o cemitério
Acabo sendo
Meu vício
(Uma tentativa de blues para uma amiga também blues)
Enquanto sua ioga não dá jeito,
Eu prefiro a dureza de um peito
Que saiba ouvir
Enquanto sua praga faz efeito
Me viro no meu vício no meu leito
E me estico por aí
Eu não quero uma heroína
Nem a musa da esquina
Nem a fera alucinada da notícia
Nem a liga da justiça
Eu quero só um amor
Só amor, sem desperdício
Sou eu sozinha e meu vício
Na faxina e na carícia
Eu deixo as canelas na cozinha
O café e a chaleira
E me enrosco no meu vício manhazinha
Tudo em minha mesa é trabalho ou mezinha
Eu tenho um gato e um violão
E papéis na casa inteira
Minha noite é um segredo
Eu me viro no meu vício
Meio dia, o dia inteiro
Um sorriso um precipício
Já não quero mais sigilo
Eu me viro no meu vício
Wednesday, January 11, 2012
Monday, January 09, 2012
A morte líquida
Visitei alguns cemitérios na Bahia, Pernambuco e no Maranhão,
principalmente. Neste último, me chamou a atenção o cemitério de Santo Amaro,
cidade conhecida como Portal dos Lençóis, porque, embora, e talvez por isso mesmo, a localidade figure como uma das mais
pobres do Brasil, as sepulturas são marcadas por uma riquíssima criatividade no
improviso de enfeites, imagens de santos, formas e materiais de construção.
Havia uma cova triangular aqui, outra cercada de arames mais na frente, outra
coberta de azulejos adiante e nenhuma era igual naquele campo mal cercado por
um muro em ruínas, invadido por cabras que pastavam entre as covas.
Nos cemitérios de São Luis e de Salvador, além de Serrinha e
Araci, me chamou a atenção o número de fotografias ou de figurinhas
auto-adesivas coladas aos túmulos, o que, se por um lado sugeria uma
informalidade no contato das famílias com os falecidos, por outro lado,
assemelhava os túmulos aos ambientes e à mobília doméstica, coberta de
porta-retratos. Confesso que, por alguns momentos, vi algumas casas como vi
aquelas sepulturas.
Ainda em Salvador, mas também em Recife, visitei as
catacumbas das igrejas barrocas de São Francisco. Na capital baiana,
aproveitando a brecha deixada pelo vigilante, acessei as catacumbas do Carmo, e
me vi sozinho, lá dentro, com uma mendiga que descreveu a estrutura do claustro
e apontou uma sala completamente escura que, segundo ela, servia de habitação
para os escravos. Meses depois, a igreja do Carmo foi reaberta a visitação
pública. Retornei ao local, mas a moradora tinha sido removida.
Nenhum lugar em Salvador, no entanto, confirma a idéia de
que “a morte também morre” como o cemitério da igreja do Pilar, anexa ao
templo, no bairro do Comércio. A área, que já foi considerada nobre, encontre-a
coberta de lixo e de areia e mato que despencaram de um barranco lateral. As
sepulturas estavam destroçadas. Já no cemitério dos ingleses, no bairro da
Barra, sobressaiu o caráter positivista da afirmação das carreiras e do
prestígio dos personagens ali sepultados. Mesmo assim, são notáveis a
sobriedade, em contraste com cemitérios católicos, e uma ordem na separação das
sepulturas, perceptível mesmo no estado avançado de deterioração em que se
encontram, também por causa da idade.
No Campo Santo, em Salvador, há a mistura de todos estes
aspectos, com ossuários dentro da capela de Nossa Senhora da Vitória, no piso,
e também nos fundos e no sótão. Fora da capela, mausoléus de todos os estilos,
incluindo a arquitetura moderna, que se pretende despojada, mas acaba sendo ostensiva
pelo volume dos monumentos. Algumas peças de arte são de uma representação
comovente, com anjos, mulheres e famílias chorando. Prevalece o tema religioso,
é verdade, mas algumas estátuas parecem conter algum segredo de viúvas, ou
familiares, em cumplicidade com o falecido. Como o cemitério está situado num
lugar alto, há sempre uma brisa agitando as árvores frondosas que dão sombra ao
lugar, e o conjunto é bastante aprazível. O que diz o cemitério do Campo Santo?
O que ele ensina? Nada. Mostra apenas como é delicioso o silêncio que só a
brisa pode melhorar.
Quando há missa na capela, quando se conversa com os
freqüentadores das missas, com os funcionários ou com os vigilantes, pode-se
aprender alguma coisa a respeito das suas vidas, em bairros humildes das
vizinhanças, no caso dos primeiros, ou na periferia, no que diz respeito aos
empregados. Também é possível perceber como os desempregados da vizinhança,
principalmente as mulheres, crianças, arrecadam dinheiro circulando o dia todo
com baldes, escovas e panos, limpando os túmulos por encomenda das famílias dos
sepultados. Alguns são mensalistas e vivem ávidos pelo fim do mês. Não raro,
desfilam com escadas para alcançar os mais altos dos túmulos ou das carneiras
e, nos dias de finados, multiplicam-se na concorrência de vizinhos que chegam
para defender alguns trocados, tanto vendendo flores e velas quanto, no frêmito
do fluxo intenso de pessoas sob o sol de novembro, improvisando a arrumação de
jazigos há muito tempo abandonados.
Vi outros locais de sepultamento em Minas Gerais e pelo interior
da Bahia, tanto em igrejas quanto em cemitérios propriamente ditos, mas
estranhei quando conheci o cemitério da Recoleta, em Buenos Aires. O
lugar impressiona não pelos túmulos , que, apesar de serem obras de arte
instigantes, seriam apenas mais um conjunto de arte cemiterial, mas pelo fato
de que os caixões permanecem expostos aos visitantes. Não há sepultamento e,
mesmo quando os ataúdes são postos no subsolo dos mausoléus, as urnas não são cercadas
com mármores, nem enterradas, como no Brasil. Pelas grades das capelas
funerárias, vê-se a madeira dos caixões, e não há cheiro exalando de dentro
deles, apenas teias de aranhas cobrem os esquifes robustos de madeira negra.
Olhar para dentro dos mausoléus na Recoleta é como olhar para dentro dos
quartos de dormir e se arriscar a ver os mortos deitados (ou sentados) em suas
camas.
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