Wednesday, September 04, 2019

Artigo da Revista M: Suicídio de escravos no Brasil

“Cuando se piensa en la melancolía de los esclavos, debe también tenerse en cuenta

la imagen del mar en algunos sistemas simbólicos y en el miedo que inspiraba. Para ciertas

culturas africanas, el mar, por su extensión, su profundidad, su carácter insondable y, en

ocasiones, su violencia “natural”, recordaba la ira divina o las ferocidades diabólicas. Se tenía la

creencia en algunas culturas de que el demonio se escondía en el fondo del mar, se imaginaba

que monstruos inicuos vivían en las entrañas del océano (Tempère, 2011, p. 2). La valoración negativa, temible, del mar, concebido como lugar de la muerte y de los muertos, en algunas comunidades africanas, intensificaría la aprensión y el desasosiego de quienes emprendían, cautivos, el viaje. Los valores psicológicos que estas comunidades proyectaban en el mar fueron numerosos. El mar fue la última morada de gran número de esclavos… El mar se mostraba así como una fuente de peligro y de muerte, como un sudario”

“Los temores de los esclavos frente a los blancos, antes y durante la travesía, como la

creencia de que se iba a hacer aceite con ellos, a arrancarles los ojos, a chuparles la sangre o

a comérselos vivos, fueron frecuentes y motivaron también el suicidio (Barcia, 2007, p. 363-

364; Robb, 2007, p. 19-20). En Cartagena de Indias, Pedro Claver relata el testimonio de José

Monzolo (1657), quien explicaba que los africanos creían que las banderas de los navíos, cuando

eran rojas, estaban pintadas con la sangre de los negros…”



Tuesday, July 23, 2019

Terceiros



Numa estranha manhã estávamos na agência dos Correios só homens, e Helena, uma mulher de meia-idade, bonita, chegou para tomar uma informação, gritando da porta para o atendente. Assim que ela se retirou os clientes na fila do balcão encetaram a conversa, primeiro em surdina, como se temessem a sua volta, depois mais relaxados.
— Mulher não dá sorte a marido! — Comentou um loiro, que tentava ser despachado primeiro.
— A qual deles? — Perguntou outro, mais atrás, um caboclo barbado com a camisa do Barcelona (ou era Paris Saint-Germain?).
— Já foram dois. O primeiro morreu de choque elétrico, o outro, de tétano — respondeu o gaiato que começara no assunto.
— E o atual também quase vai — gritou de dentro do balcão o atendente da agência. — Viajou com a gente para Barra e por pouco não se afogou no Rio São Francisco. Geraldão estava perto e puxou pelo braço.
— Olha aí o risco! – Retornou o loiro. Mas o torcedor do time estrangeiro deu outra opinião:
— Depende! Pode ser que pare no terceiro.
Com essa, o atendente baixou os olhos e mergulhou na papelada.
— Sim, os mistérios têm seus números, mesmo. Quem sabe? — Este era o vigilante da agência, um marmanjo avermelhado que pouco antes falava ao rapaz do futebol sobre saúde, ácido úrico e exercícios. No entanto, já havia se perdido a esperança de o diálogo tomar um rumo racional. O Saint-Germain (ou era Barcelona?) chutou:
— É como a moto dourada que o Raimundinho queria vender. O dono morreu numa batida e a moto não sofreu nada. Ficou para o Raimundinho negociar.
— Que foi que teve? — Indagou o loiro, tranquilo com a fila andando mais rápido.
— Um comprador da capital veio buscar, mas o carro dele virou na estrada.
Como a história ameaçava perecer, este que vos fala, escalado para ser apenas testemunha dos fatos e encaminhar discretamente uma postagem de livros, não se conteve e entrou em campo:
— E a moto, não foi vendida?
— Raimundinho desistiu de passar adiante — voltou o Saint-Germain. – Mas despertou a vontade de ser motociclista. Não naquela moto, assombrada. Resolveu ir em Feira de Santana buscar uma nova. Morreu na volta, de acidente de trânsito.  Se houvesse aceitado a dourada, tinha encaixado na posição certa. Seria o terceiro da fila. Número tem muita importância! 
O vigilante, após fazer complicados cálculos mentais, concordou com aquela súmula.
Chegou a minha vez de ser atendido. Vida que segue!

De como Romeu Raizeiro deixou de ser curandeiro



Eu vi aqueles três elementos aparecerem ao meu lado, eu deitado no meu quarto, na cama. Pareciam cachorros, dois pretos e um vermelho. As presas eram como facas afiadas, as bocas compridas de jacaré. 
Eles roeram todo o meu corpo do pescoço para baixo e levaram o resto pelo sertão adentro, atravessaram o Rio São Francisco até chegar em Sergipe. Esse caminho demorou muito no mato de noite. 
Então me jogaram no centro do terreiro de um pai de santo que eu não conhecia, e já estava tudo pronto. No chão tinha velas e duas galinhas mortas. O pai de santo mandou eu comer uma galinha, que assim eu ia ganhar todo o dinheiro aqui da cidade, dessas roças aí afora. Ia ficar rico, só teria que perder tudo três dias antes de morrer. 
Eu desconfiei daquela ideia. Disse a ele que só a Deus eu sirvo, e não comeria galinha nenhuma. O sujeito me chamou de teimoso e ordenou aos tais cachorros que me trouxessem para casa e, quando chegassem, acabassem de me matar. 
Novamente voltamos, atravessamos o rio e a mata e paramos aqui, mas não era o mesmo dia que saímos. Era a época de anos atrás, velhas estradas de barro que nunca conheci, casas antigas de palha, plantas altas que já não existem e um velhinho no meio delas, um sujeito magro, de costas, com as mãos levantadas ao céu. 
Os cachorros se diziam: “Vamos desviar do Atrapalha”. O velho ordenou que o chão se abrisse e os cães descessem pela fenda. Falou isso outra vez e a fenda abriu, mas os bichos quiseram voar, e voando mesmo estouraram como foguetes.
O santo, que era esse “Atrapalha”, me disse que eu queimasse todas as minhas coisas de curandeiro conforme me lembrasse delas. “O resto o dono virá buscar”. 
Assim aconteceu. Acordei na minha casa e, de duas vestes que encontrava, tirava só uma para queimar. De ferramentas e velas não foi tudo para o fogo, nem todas as folhas, nem todas as fitas. Dava-me pena, compreende? 
Mas no dia seguinte recebi a visita de um homem a quem eu devia, curandeiro ele também, e lhe entreguei o resto das coisas da casa, menos as imagens intocadas da devoção, de simples reza… Na mesma hora esqueci tudo. 
Eu, que sacudia das pessoas os maus ventos, tanto invocado como não, esqueci todo o preparo, esqueci os banhos, os fundamentos. De uma hora para a outra. Assim que eu parei pararam também os meus filhos de santo, e nem por pilhéria me meto hoje a curar na linha branca. 
Larguei a Linha Branca das Almas, porque havia invejosos da mão esquerda, e eles estavam de olho em mim, querendo me dominar. 
O que eu tenho hoje é isso: essas raízes, essas garrafadas que eu vendo, esse litro de mel e três livros de remédios de plantas. E a simples devoção, simples reza. Meu nome é só Romeu, não é mais “Pai”, não tem nada disso. E se precisar eu mudo de nome de novo, a qualquer hora, nem registro de nascimento vale. Porque nasci sem registro, sou antes um homem, só isso. Ou tudo isso...

Monday, July 22, 2019

Biblioteca do Paiaiá, no sertão da Bahia, terá Festa Literária Internacional de 24 a 26/7



O povoado de São José do Paiaiá, no município de Nova Soure, em pleno sertão da Bahia, sediará nos dias 24 a 26 de julho uma festa literária que reunirá escritores, professores, artistas de diversas expressões e lideranças comunitárias para debater a criação, a produção cultural e a difusão de saberes. Além disso, a II Festa Literária Internacional da Biblioteca do Paiaiá contará com atrações do Circo Premier, feira agro-ecológica e de artesanatos rurais, venda, troca e doação de livros e revistas, a Biblioteca Volante da Fundação Pedro Calmon, exposição sobre terceira idade e saúde da mulher, bumba meu boi, banda de pífanos, a Filarmônica de Nova Soure, peças de teatro, projeções de filmes e cavalgada.

Localizado na rodovia BR 110, a 231 km de Salvador, São José do Paiaiá está na rota do peregrino Antônio Conselheiro de Canudos pelos Sertões da Bahia e possui, segundo a professora Walnice Nogueira Galvão, da Universidade de São paulo, a maior biblioteca em comunidade rural do mundo , com mais de 120 mil volumes. A instituição, fundada por um ex-morador do povoado, Geraldo Moreira Prado, tem 17 anos de existência e promove com alguns parceiros toda a programação da festa.

Entre os temas na pauta de debates estão a vida cotidiana da juventude, educação no campo, cordel e aboio, histórias em quadrinhos, educação e culturas indígenas, leitura e políticas culturais nos municípios, leitura e matemática, memes didáticos e contos africanos. Também serão abordados a bioética, a ancianidade e o direito de envelhecer com dignidade.

Durante as atividades serão homenageados o escritor baiano Carlos Anísio Melhor, falecido em 1991, o trabalhador rural Luiz Saldanha dos Santos, integrante do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Nova Soure, e a yalorixá D. Durvalina, única mãe de santo da região.

Estão confirmadas as presenças do ex-ministro da Cultura Juca Ferreira, do prefeito de Conceição do Coité, Francisco Assis, da líder do Assentamento Cajuba, em Nova Soure, Raimunda Maria de Jesus, dos grupos de griôs de Santa Luz, dos escritores Aleilton Fonseca, Antenor Rita Gomes, Alex Simões, Darlan Zurc, Eraldo Miranda, Fábio Bahia, Franklin Carvalho, José Erenilson, Marcelo Torres, Uarlen Becker e do Quarteto Moxotó (Arcoverde-Pe). Além de educadores de instituições universitárias federais e estaduais e de gestores de bibliotecas, o evento mobiliza na sua organização jovens de várias escolas públicas das cidades vizinhas.

Foto: site da União de Prefeitos da Bahia


Contatos

e-mail: bibliotecapaiaia1@gmail.com

fanpage: @bibliotecacomunitariadopaiaia

Tels: 75 999753903 (WhatsApp) 75 34377070

Sobre a Biblioteca do Paiaiá

https://archive.org/details/vimeo-172825635

http://bibliotecadepaiaia.blogspot.com/

https://www.redebrasilatual.com.br/cultura/2017/08/uma-miragem-real-de-livros-no-sertao-da-bahia/

Tuesday, January 15, 2019

Borbulhar de sangue e água






O livro O Borbulhar do Gênio, de Saulo Dourado (Caramurê, 2018), que remonta à convivência do jurista Ruy Barbosa com o poeta Castro Alves ao longo do Século XIX, tem o esmero de uma pesquisa biográfica apurada, mas é sacudido o tempo inteiro pelos desmaios, tosses, calafrios, amargores, entusiasmos, espasmos, enfim, pelos hálitos desses personagens de saúde frágil.
Na obra, eles ainda não são os imortais que os professores nos mostravam num pedestal. São jovens colegas de escola, revolucionários e ansiosos, imperfeitos e o tempo inteiro quase-homens. O autor, aliás, destaca o contraste entre um Ruy assoberbado pelos estudos e tímido e o poeta belo e sociável filiado à boemia. No entanto, há muito em comum entre os dois baianos: ambos abraçam apaixonadamente a causa abolicionista, e suas trajetórias se tangenciam ou se misturam em Salvador e no Recife e em São Paulo, onde moraram, cercados por uma geração de intelectuais célebres.
Surpreende saber que a narrativa foi construída em apenas dois anos, com fontes de pesquisa que incluem desde arquivos eletrônicos até autores consagrados (Luiz Viana Filho, Pedro Calmon e Jorge Amado, entre outros) e a produção legada por Ruy e por “Cecéu”. Não pelo volume de informações, pois elas poderiam constituir um resultado burocrático, como acontece em alguns livros de fundo histórico, mesmo com robustos lastros. Pelo contrário, Saulo Dourado rege as informações com um condão poético e afetivo que faz a História saltar aos nossos olhos cheia de vida.
É a vida do Seculo XIX, e o texto muitas vezes mimetiza a época, como quando diz que Recife era “uma cidade que primava pela graça e louçania”. Ao descrever uma viagem desastrada empreendida por Castro Alves, o autor sai-se com essa tirada digna das musas “… e o mar cuspira-lhe na altura de Valença . Teria caminhado até o centro da cidade, trôpego do balanço das ondas e do nado náufrago”.
Está tudo no livro, o amor entre Castro Alves e a atriz portuguesa Eugénia Câmara, a convalescença do poeta, a relação dos dois personagens com suas famílias, o prestígio de que dispunham, os atritos com as velhas gerações, as frustrações, as dificuldades econômicas e os sentimentos vastos. E volta e meia aparecem no horizonte o mar e as viagens náuticas (daí O Borbulhar de um Gênio, imagino) dos dois intelectuais, inclusive a ida de Barbosa a Paris.
Saulo é um escritor devotado ao amor. No livro de contos “O Mar e seus Descontentes” (Via Litterarum, 2016 - Novamente o mar!) abraçou com sensibilidade a história do casal Marie e Pierre Curie, cientistas dos primórdios da radioatividade, laureados com o Nobel. Ali ele enxergou a cumplicidade do casal e reescreveu suas biografias em uma curta história emocionada, sem perder de vista os desafios do laboratório que improvisaram.
Este autor, que também é conhecido por produzir histórias infantis, chega a esse primeiro romance com muita tranquilidade e traduz a morbidade e a violência dos 1800 com um olhar agudo, ao mesmo tempo transversal ao tempo. Está lá e cá, e nós também, visitando o antigo até hoje presente.
Em conversa privada, ameacei-o de indicá-lo para a cadeira de Josué Montello na Academia, quando vier a vagar. Saulo desconversou. Passando eu ou passando ele, um dia, será inevitável comparar seu novo livro a Noite sobre Alcântara e a Os Degraus do Paraíso. São criações que tratam de gente, de perdas, da mobília dispersa, de laudas em branco e de algo que se derrama tinto sobre elas.