Monday, July 29, 2024

Aos pés do Caboclo

(Publicado no Jornal A Tarde de 4.2.2024)


Anunciaram e garantiram que teremos uma estação de metrô no Campo Grande, a praça central da nossa cidade e do estado, o que nos garantirá chegar mais rápido ao pé do Caboclo instalado naquele logradouro, fazer pedidos e chorar pitangas, como manda a tradição da Boa Terra.

É mesmo muito bem-vinda a notícia, e também o trem, que vai trazer para a área central milhares de trabalhadores que prestam serviço na Graça, Vitória, na Barra e adjacências, e que hoje precisam descer na estação da Lapa e prosseguir a pé o resto do caminho. Mas outras esperanças sorriem por trás das árvores do Campo Grande, nosso pequeno jardim botânico e parque das crianças.

É preciso dar esta praça mais vezes ao povo, mais do que nas festas das independências da Bahia e do Brasil e do Natal. Facilitar a frequência, e nisso o transporte é essencial, principalmente oferecendo-se uma malha metroviária que conecta do Aeroporto até o Norte rodoviário. E as pessoas devem ser conduzidas ao centro não só como operários, mas como namorados, pais, mães, crianças e idosos que desfrutem do verde e outras atrações, rompendo as tradições excludentes da capital baiana.

Em primeiro lugar, as árvores do Campo Grande, os animais e entidades que as habitam esperam sobreviver à ampliação na rede do metrô, numa cidade em que a motosserra rosna sem regras em obras privadas e públicas. Parece não haver protesto, ministério público e imprensa que dê conta de tanto massacre. É preciso mesmo atenção para não repetirmos a tristeza do Campo da Pólvora, seguramente uma das praças soteropolitanas mais arrasadas, há tempos, e dos correntes ataques ao Dique do Tororó.

Mas vejamos as outras vantagens de uma estação de metrô na Praça 2 de Julho, o conhecido Campo Grande: Já está cogitada a reinauguração da sala principal do Teatro Castro Alves para meados de 2026. Ali também está a Concha Acústica, importante equipamento para a cultura musical da cidade. Bem perto, os teatros Vila Velha e Gamboa, e os subutilizados Passeio Público, Palácio da Aclamação e Largo dos Aflitos. Bem assim as faculdades de Belas Artes e de Teatro da UFBA, com a galeria Cañizares e o Teatro Martins Gonçalves. 

A Associação Cultural Brasil Estados Unidos (ACBEU) já foi posta abaixo para dar lugar a um prédio residencial, mas perto, ainda na Vitória, sobrevive o Instituto Goethe, ou Instituto Cultural Brasil Alemanha, com programação ativa. Estamos falando da zona mais importante, e de uma das mais desarticuladas, da vida artística baiana. Aproveite-se, da iniciativa privada, outros espaços, inclusive a Casa de Itália e auditórios de hotéis, e as possibilidades se multiplicam.

Imagino um público de todos os bairros, classes e idades emergindo da nova estação para aproveitar os mirantes e espetáculos, restaurantes, bares, sorveterias, cafés e o que mais possa haver. Muita gente que me lê já vê oportunidades nesse cenário. Outros visualizam uma invasão de pobres que vêm tomar os bairros nobres, como se esse fluxo não acontecesse todos os dias, só que numa condição subalterna. 

No entanto, as árvores e encantados do Campo Grande esperam que haja lugar para todos. Advertem, ademais, que esta cidade é muitas vezes madastra má e, quando um lugar brilha, primeiro afastam os comerciantes populares, que vão embora com os consumidores populares, e depois o pitoresco vira shopping, e só então os novos donos mandam grafitar um painel com imagens da população nativa.

Que sejam grandes os corações dos homens, no velho coração da cidade.



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