Thursday, May 13, 2021

Os fascistas vistos como gente normal



O antropólogo Oscar Calavia Saez, espanhol que viveu sob o regime franquista, e que ensina na Universidade Federal de Santa Catarina, escreveu em 2014 esse texto que é muito atual:

Se todos os fascistas gastassem seu tempo em orgias perversas de matar gatos a cabeçadas não seriam um perigo geral. Porém, por desgraça, costumam ser gente muito mais normal.

Para começar, é bom recordar que há formas extremas de opressão, exploração, violência e enganação massiva que não são fascistas. O fascismo é uma variedade, não um grau.

Falar de fascismo é uma merecida homenagem à sua primeira versão, porém cada fascismo tem suas peculiaridades, e os seguidores de alguns deles rechaçariam logo o nome.

Os fascistas também negam de cara ser de direita, e nisso vale a pena levá-los a sério: todos os fascismos assumem parte significativa do programa, as tarefas e os símbolos da esquerda, e prometem superar a obsoleta dualidade esquerda-direita; e o mal que podem fazer ocorre por isso, e não apesar disso….

Note-se, os fascistas não costumam tomar o poder mediante massacres. O mais comum são golpes contra sistemas que já caem de maduros, ou até por meio das urnas…

Os fascistas são populistas: se não têm gostos e ideias muito populares, como é mais comum, fingem tê-las... As elites geralmente os consideram uma ralé e um mal menor que, mesmo com algum incômodo, costuma trazer grandes benefícios... Os fascistas dependem de sua capacidade de gerar ódio na população, porém não um ódio simples, mas um que consiga unir todos. Seu inimigo ideal tem que estar ao mesmo tempo por baixo e por cima, ou seja; ser feio, miserável e canalha e ao mesmo tempo viver regiamente à custa do sangue ou dos impostos do povo…

Os regimes fascistas são difíceis de eliminar, entre outras coisas, porque costumam contar com apoio da população. Nem tanto pelo uso do terror, mas por recorrerem à burocracia, ao conformismo e a um calculismo muito corrente. Para disfarçar esse detalhe desagradável, quando o regime cai é normal exagerarem o seu aparato repressor; porém os fascistas não necessitam de enormes aparatos de repressão porque delegam à população a intimidação cotidiana…

O pior do fascismo não é a sua violência, mas sua devoção à simplificação e à contundência. Um fascista pode ser, digamos, uma pessoa boa, cheia das melhores intenções. O pior do fascismo não é o ponto de onde parte (É lá que a simplificação e a contundência conseguem alguns resultados “positivos”) mas o ponto onde acaba (onde a simplificação já não dá frutos, porém se pode seguir provando a contundência).

O original, em espanhol, está em

http://cafekabul.blogspot.com.br/2014/10/los-fascistas-vistos-como-gente-normal.html