Sunday, July 03, 2022

Frases

 





Tudo é tempo. A areia na ampulheta, o fluxo,  o vidro e as tampas de madeira. Tudo passa do mesmo jeito.

 

Somos feitos de horas, e cada hora é breve e eterna. Não somos rostos no tempo, mas rostos do próprio tempo, ele pleno de contradições.
 

Um dia, eu e o meu inimigo estaremos mortos. Isso já será a suficiente justiça

 

E perdoai os nossos pecados,  assim como nós perdoamos

 

Para que o mundo funciona? Para que ele emprega e desemprega gente o tempo inteiro? Para quem?

Bhagavad Gita

 

“A Suprema Personalidade de Deus disse: Enquanto fala palavras sábias, você está se lamentando pelo que não precisa se afligir. Os sábios não se lamentam nem pelos vivos nem pelos mortos.

Nunca houve um tempo em que Eu não existisse, nem você, nem todos esses reis; e no futuro nenhum de nós deixará de existir.” (Krsna para Arjuna, no Bhagavad Gita, 11 e 12)

Três axiomas da morte

  1.  O contato com a morte é experiência existencial de insegurança dos limites do evento — Diante da perda de alguém sentimos degenerar nosso grau de relação com a realidade, porque o contato com a pessoa ora extinta era uma forma de mediação com o mundo, com a família, a cidade, a vizinhança etc. O fim de um conhecido é também o perecimento de uma fração das nossas vidas, e gera dúvidas sobre a continuidade de parte ou mesmo da totalidade da nossa existência.  
  2.  Toda experiência de morte circunscreve-se na vida e por ela é moldada e a ela está restrita, mesmo os túmulos, o além, crenças e teorias sobre o assunto — Os vivos podem sentir muitas vezes o falecimento de alguém, mas os mortos não morrem outras vezes, nem sofrem, nem dividem conosco as apreensões e inquietações pelo fenômeno da sua extinção. Suas circunstâncias são outras. Nós, os vivos, estamos solitários tentando criar ferramentas e ritos que nos faça ver um sentido para as coisas. 
  3. A ideia de morte é ferramenta de domínio, criação, regulação, cura etc também manipulada como estereótipo em diversas performances — Como as palavras enfileiradas até aqui (insegurança, dúvidas, apreensões e inquietações) remetem a mistério, é natural esperarmos que haja uma ampla condição de amedrontamento do homem comum diante daquilo e daquele que está familiarizado com a morte, como líderes religiosos, médicos e lideranças políticas capazes de manipular paranoias de aniquilação. Da mesma forma, medo de todas as lendas, mitos e imagens da morte.

A morte líquida (Versão final, incluída no livro Tesserato)

 

O corpo parece, primeiramente, figurar como elemento que agrega todos os objetos da personalidade. Inclusive os objetos simbólicos, os jeitos, as posturas, o timbre de voz e todo o temperamento, além de vincular ferramentas como roupas, adereços e outras posses que constituem uma identidade.

Mas o corpo, por mais que seja o ligame dos objetos da personalidade, é também mais um objeto perecível. Como consequência, a cultura humana busca, muitas vezes, deslocar o indivíduo para fora desta figura, principalmente num duplo espiritual.

No entanto, é inevitável: as sandálias do falecido, seu chapéu, suas calças folgadas serão dispersos ou desmanchados para compor novas peças. Suas panelas serão carregadas pelos vizinhos, seu colchão acomodará sete crianças de um casebre na rua de baixo, sua dentadura será roubada por algum cachorro que procura osso.

A dispersão é a regra para todos os objetos, e, a partir desse fenômeno, também para a personalidade. A cultura ainda resiste: ela quer fazer sobreviver socialmente o nome, que é o principal objeto simbólico da personalidade, e, em torno da memória desse nome, reunir os bens remanescentes.


3

As identidades agregam coisas concretas e bens simbólicos e depois desaparecem, liberando esses objetos para novos vínculos. A existência é um tecido vivo onde aparecem configurações repentinas.

O tecido natural vibra, pulsa, como água fervente onde as bolhas explodem neste e naquele lugar e depois desaparecem. E outras bolhas serão formadas com o mesmo líquido.


4

Tão simples como um vaso de porcelana que arrebenta-se ao cair, e deixa os cacos espalhados. A morte é irreversível e assegura a irreversibilidade de todos os outros eventos. E recarrega o mundo, e o reorganiza.

Cada falecimento estremece a fronteira que separa os vivos dos mortos, daí provocar o medo duplo de que mais vivos morram ou que os mortos voltem. Medo de que a fronteira rompa-se e haja um desequilíbrio, e seja reunido o que está providencialmente separado.


5

Não há vida nem movimento nem força, nem matéria ou energia que valha-se de uma única partícula fundamental. Todo movimento é forjado por um conjunto. Não só os conjuntos participam dos movimentos como geram movimentos a partir de seus choques, reações químicas etc.

A união e a dispersão, a vida e a morte são locais críticos de reconfiguração. Na lei da inércia, os corpos tendem a ficar parados ou manter seu movimento até que uma força externa aja sobre eles. Mas os organismos vivos também movem-se ou são paralisados por forças dentro deles.

A sucessão de descontinuidades é regra tão absoluta e inescapável que só podemos supor duas coisas: todo equilíbrio é precário e a precariedade é o equilíbrio.

Outro aspecto a ser observado é que estes choques favorecem outros movimentos, não só porque liberam formas para novos arranjos, mas também porque criam vácuo no tempo e no espaço para essas combinações.

O universo, assim como o conhecemos, só funciona porque é descontínuo. Como um rio, só corre porque há acidentes no seu leito.


6

Numa coisa o homem puxou a Deus: nada o incomoda mais do que o vazio. Para o homem, então, vazio é melancolia, tédio, tristeza, e é a ameaça de morte iminente. O silêncio é assustador, o escuro é assombrado.

Do nada, do fundo do éter, o caos nos observa e afia as suas unhas, escondido. Por que temos esse medo, essa expectativa de que algo vai brotar eruptivo do vazio? E por que assim, inesperadamente, de forma a suprimir todas as outras coisas, para tragar um universo enorme? Quando foi que isso já aconteceu?


7

Orfeu, poeta mítico, após a morte da sua amada Eurídice, vai ao inferno resgatá-la. Como forma de agradar Hades, rei dos mortos, Orfeu entoa uma canção de amor tão comovente que todas as almas do inferno choram.

Então, Hades consente em devolver-lhe a mulher, mas impõe, como condição, que até a saída do inferno Orfeu não olhe para Eurídice. O poeta não resiste, porém, olha-a e perde–a para sempre, e retorna sozinho ao mundo dos vivos.

Sempre me perguntei por que Orfeu não resistiu e voltou os olhos para Eurídice antes de sair do inferno. Cheguei mesmo a duvidar do seu amor por ela, como se tivesse lhe bastado a vaidade de convencer Hades.

Por fim, ocorreu-me que esse mito, como todos os outros, encerra uma sentença, uma moral, e que antes de perguntar por que Orfeu transgrediu a norma, devemos saber por que a norma existiu, porque ele foi proibido de olhar para a sua amada.

A resposta que me pareceu óbvia é que Eurídice estava morta, portanto não podia ser desejada. Talvez, depois que regressasse do inferno e voltasse a viver, ela pudesse ser objeto de amor, de admiração, do “olhar” apaixonado. Enquanto falecida, porém, não poderia sequer ser considerada. Essa é a regra de interdição do morto, que não pode ser cobiçado.

Então, como trazer da morte alguém amado, se é proibido amar — tanto — essa pessoa?


8

Prezados Professores da Universidade Federal de Ciências,


Bem sabem que ainda não sou um acadêmico. Nem mesmo um interlocutor muito qualificado para fazer proposições no terreno da Física. No entanto, como a observação muito próxima pode, algumas vezes, prejudicar o foco sobre as coisas, atrevo-me, justamente por olhar de longe, a fazer as seguintes ponderações sobre energia e matéria escuras:

a) O modelo padrão cosmológico permitiu que algumas correntes considerassem a possibilidade de haver “dimensões enroladas”, dimensões encolhidas. Isso seria providencial para a elaboração de uma teoria unificada das quatro forças universais conhecidas – gravidade, eletromagnetismo, força nuclear forte e força nuclear fraca. Essas “dimensões” permitiriam explicar certa perda da gravidade, que parece “escapar” deste universo. Neste mesmo sentido, perduram diversas indagações sobre o big-bang e sua relação com os buracos negros, como se estes últimos fossem novos big-bangs que originam universos paralelos;

b) Por outro lado, as ideias de energia e de matéria escuras nos sinalizam forças colossais, também desconhecidas, que atuam sobre o movimento dos grandes conjuntos estelares;

c) Nesses passos, de uma força que some e outras que aparecem, restou-me perguntar: a energia escura não seria a gravidade que escapa de algum momento anterior ou futuro? E não seriam as “dimensões enroladas” uma dimensão só, o tempo, que teria fluxos ainda não calculados?

d) Já que tem sido usual na crônica científica mais popular – e eu, como cidadão simplório almoço nesse andar térreo – usar sempre uma metáfora ou desenho para explicar conjecturas diversas, proponho uma que me serve para visualizar o absurdo que sugeri: imaginemos uma bordadeira que, com a ajuda de uma agulha, faz uma linha atravessar o tecido diversas vezes, até obter uma figura qualquer. Suponho, então, que até hoje vivemos na superfície do bordado, e vemos aparecerem pontos dia após dia, sem conceber a continuidade entre eles. Bom exemplo poderia ser o elétron, que some e depois aparece numa órbita mais carregada, e não sabemos onde esteve nesse meio-tempo, nem mesmo se frequentou um "subsolo" temporal.

e) Seria o caso, portanto, de considerar-se um modelo transcendente – que esta palavra esteja despida de todo misticismo —, que não mais leve em conta dimensões mínimas, mas tome o conjunto energético universal através dos tempos.

f) Como viram, fiz questão de demarcar a possibilidade de uma corrente de força gravitacional vinda do futuro, o que é apenas uma hipótese absurda dentro de uma proposição mais absurda ainda. Mas, já que estamos neste cogitar, por que não considerarmos que até mesmo as leis de causalidade, do fluxo unidirecional do tempo, podem ser revistas, de modo a obter-se uma configuração mais ampla da corrente temporal e de seus desdobramentos?  

Agradeço por sua paciência.