Naquela manhã, o pedreiro Estevão se dirigiu à padaria da Vila e pediu um pedaço de bolo.
Assim que o balconista o atendeu, Estevão recordou-se do dia anterior: desaforos que tinha dito ali mesmo no estabelecimento, na praça, em frente à subprefeitura e na porta da igreja. Na memória, fazia apenas um dia que ele tinha desmascarado os adúlteros do amor e do aguardente aguado, denunciado os maus patrões, escancarado a corrupção dos ricos e arrasado o mau comportamento dos religiosos e a hipocrisia geral. Embora seus brados tivessem estarrecido a comunidade, a princípio, logo as pessoas decidiram mudar e expressaram uma imensa gratidão pelo que ouviram.
Os empregados do comércio, que trabalhavam de domingo a domingo sem folga e sem salário, passaram a ter estatuto de direitos, os homens e mulheres estabeleceram relações mais sinceras, e até mesmo os comerciantes baixaram os preços, e a fartura foi partilhada. A coisa tinha evoluído para uma felicidade plena, e na noite houvera um grande banquete de todas as classes, que comemoraram uma harmonia sublime. Aquele dia ficou conhecido como o Dia da Revolução, em que a verdade rachou as pedras e fez brotar delas, que afinal não eram pedras, mas o rosto das pessoas, uma felicidade tremenda.
Isso é o que Estevão lembrava. Mas quando ele mordeu o bolo, o balconista reclamou do novo dia de rotina e negou todas as coisas que o cliente mencionava sobre um ontem glorioso.
— Nós nunca fomos felizes. As coisas são como sempre, eu com as mãos no vaso sanitário e depois na massa do pão, pingando suor. É disso que a vida é feita, e para sempre assim será — alegou o moço da padaria, com uma cara muito infeliz, de uma tristeza temível, como se houvesse escutado do outro o mais destampado absurdo.
Os dois teriam ficado naquele desentendimento por mais tempo, não houvesse passado ali um chofer de praça para um café requentado e uma dona de casa que procurava broas dormidas. Aquelas pessoas se revoltaram quando Estevão falou de um dia único de alegria, pois parecia-lhes uma blasfêmia, uma prece pelo demônio. Então Estevão se resignou calado, acreditando que a sua memória estava embriagada de ilusão e loucura.
— É impossível sermos livres — disse a dona de casa.
Já o chofer de praça acompanhou Estêvão numa volta a pé pelas redondezas, para que o homem testasse a sua hipótese com alguns transeuntes, e estes também se horrorizaram com a ideia de alguma mudança.
Mas o pedreiro ainda permaneceu desconfiado, porque eram evidentes os sinais da revolução havida, as cascas das frutas devoradas no banquete, a pilha de garrafas esvaziadas, os muros pintados com frases de amor e de fé, que um funcionário público se encarregava de caiar às pressas.
— Nesta vila, nosso padrão está assegurado por leis muito boas e rígidas e imutáveis! — Bradou o chofer. — Cada um conhece o seu papel, e aproveita uma vida eterna tão pacífica quanto essa praça, onde os únicos pássaros são pardais, e pardais não cantam.
Naquele momento, Estêvão, que era o mais pobre operário da localidade, viu-se novamente no anteontem (o dia de ontem estava definitivamente perdido), obrigado a procurar serviços por centavos.
E entendeu que a cidade inteira, até o bolo que tinha devorado no desjejum, era uma frágil nuvem de opinião.