Evanilton Gonçalves,
em seu Pensamentos supérfluos Coisas que desaprendi com o mundo
(Boto-cor-de-Rosa/Paralelo 13S - 2017), nos oferece dois livros
instigantes. O primeiro é feito, como o nome indica, de pensamentos,
anotações daquelas que algumas pessoas lançam sobre cadernos -
neste caso, inquietações sobre o cotidiano de Salvador, as
violências e o escândalo diário das tragédias urbanas, pequenas e grandes,
individuais e coletivas, não respectivamente.
Ao tempo
que aguça o seu olhar nativo,
o autor acentua o estranhamento nas 50 micro-crônicas que, com alguma
frequência, citam o Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa. A
referência não é em vão posto que Pessoa, naquela obra, também
filtrava os altos e baixos de Lisboa e de si próprio na interação
com a cidade.
Com uma entonação
bastante poética, Evanilton explora conceitos (a palavra “pão”
e suas implicações linguísticas e políticas, no Pensamento 7), formas (a
cidade que parece uma roda gigante, Pensamento 9) e emoções (a
solidão inescapável, a companhia intangível, Pensamento 24). E
escapa do óbvio, das simplificações. Num dos pontos mais altos
(Pensamento 28), enquanto adivinha os sentimentos de um garçom que o
aborda: “Sofri por não sofrer o suficiente para sacudi-lo”
descreve a parte mais aguda do drama, mas nos sugere adivinhar o
contexto “Renunciei ao fatídico prólogo”.
Já em Coisas que
desaprendi com o mundo estão 13 pequenos contos que carregam uma
ironia mordaz, rascante, mas aqui o narrador está mais exposto a
receber tiros e ser atropelado (“O fim da linha”), perder
conhecidos (“Direitos humanos”) e ser engolido pela miséria,
como habitante de uma cidade-monturo (“Estamira” e “Deus-Dará”).
Nessa segunda parte do livro a máquina urbana avança, range os seus dentes, o convoca e o ameaça. Às vezes ele luta como um leão, às vezes dança
como escorpião, mas sempre aceita o desafio. E nos avisa: ninguém é
inocente, ninguém está a salvo.
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