Certa vez, encontrei num livro de religião um bicho
cabeludo, mordido como uma fera, lá ele, endemoniado. Parei naquela página
atraído pela figura, ainda me lembro do rosto, o desenho do Rei Saul
enfurecido. Até hoje me acompanham aqueles grandes olhos cheios de ira do rei,
ele enlouquecido de inveja, as enormes bolas saltando da face.
O profeta Samuel condenara o rei porque ele, nas
batalhas que vencia, não degolava as mulheres e as crianças das tribos
derrotadas. O deus de Israel estava magoado. Saul tinha que destruir o inimigo
sem piedade, essa era a ordem. A sua vacilação, ou a sua ambição em pilhar bens
materiais, que deixara vivos os gentios, era pecado imperdoável. Saul não mais
servia. Um jovem aparecia, já ungido, para tomar o lugar do decadente rei.
“Saul matou mil, mas Davi matou dez mil”, cantava o povo na rua, enaltecendo a
vitória contra o gigante Golias.
Mas gigante mesmo era cada olho do Rei Saul. E quando um
seu olho crescia, o outro olho o acompanhava, dois gigantes concorrendo, dois
espelhos para as crianças entenderem o que era ira.
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