Tuesday, December 06, 2011


O seu nome pesa mais que um viaduto

O seu nome pesa mais que um viaduto.
Você deverá pagar por todas as contas em seu nome, honrá-lo e defendê-lo, e se assegurar de que ele faz o mesmo por você. Onde você estiver, o seu nome estará, sendo dito pelas pessoas que o cercam, e, mesmo onde você não estiver, ele o precederá e permanecerá depois da sua saída. Você não conseguirá um pão sem dizê-lo, nem mulher, nem amigo, porque é seu nome que vai responder pelo que lhe dão.
Esse grande peso, que tende a esmagá-lo, que fala por você, é como uma casa enorme e velha, que você habita e que não lhe pertence. Você passa dias subindo e descendo centenas de escadas dentro do frágil imóvel de areia e sal, sempre prestes a se tornar ruína. À noite, dois cães mordem-se sob a sua cama. O primeiro cão é o passado do seu nome, o segundo, o futuro.
Há alguns dias, refletindo sobre os mortos, como ando muitas vezes refletindo a fim de escrever um novo romance, anotei que há três coisas a que os mortos não respondem:  nome, fome e tempo. Não que eles estejam totalmente alheios a estes elementos, porque ainda são referidos por eles no imaginário dos viventes, mas estão desobrigados das suas necessidades como estes, os viventes, estão. Estão livres de prover, para a sua autonomia, para a sua existência, bens ou ações que mantenham a sua imagem no transcurso da atualidade.
Não interagem na representação social que é feita deles, portanto, não respondem pelo seu nome. Não têm necessidades, nem são sujeitos de ação para saciá-las, portanto, não têm fome. Também não agem no tempo, influenciando os fatores que são usados para contar a passagem dos dias, meses, anos, como nascimentos, casamentos, guerras, descobertas científicas, modas, envelhecimento etc. Os seus últimos fatos são as próprias mortes. Após isso, são sujeitos fora do tempo.
De todos os três elementos, aquele que é mais culturalmente forjado é justamente o nome, a representação social. Os conceitos de necessidade e de tempo também variem de sociedade para sociedade, de acordo com a cultura, no entanto, mesmo na natureza, sozinho, o homem tem necessidades e está suscetível ao envelhecimento biológico. Mas o nome, que é ao mesmo tempo representação da personalidade, do caráter, da individualidade, além de nascer da interação social, sempre transparece como um produto daqueles elementos pessoais (personalidade, caráter etc) e é tido coletivamente como resultado dos talentos de cada pessoa, exclusivamente.
Ocorre que a reputação, e essa é a melhor tradução do nome, não obstante atenda aos comandos dos sujeitos em sua interação social, é a casa enorme e velha que não pertence a quem a habita. O mais surpreendente na relação entre indivíduo e reputação, além da sujeição absurda do primeiro à segunda, além do alheamento e do descontrole do agente sobre a repercussão dos seus atos, é a diferença entre os tamanhos de um e de outro. A verdadeira luta existencial humana não é entre corpo e alma, mas entre o indivíduo e sua persona social, seu nome, que na verdade, vem a ser a alma cheia de pecados, pesada e difícil de carregar.
Vale ressaltar que o aspecto do tamanho e amplitude de um nome, seu alcance (este é o fator de consistência desse vetor), é uma constante que se entende cada vez mais manipulável pelo indivíduo, à medida que novas tecnologias prometem incrementar a supervisão e o controle da reputação pelo interessado. A promessa, no entanto, se esvai em novas demandas, já que um ato de personalidade no ambiente tecnológico, como em qualquer lugar social, gera novas obrigações de personalidade, aliás, constitui a personalidade também.
O nome vira perfil na internet, carregado de informações, fotografias e outros nomes que lhe são referência. Além da responsabilidade do relacionamento nas ruas, no trabalho, na família, o nome se expande neste espaço, impondo a necessidade da responsabilidade, ou, vendendo mais barato, a necessidade de responder. Toda vez que um individuo aparece identificado numa rede social na web, ele se expõe a receber os benefícios dessa exposição mas acrescenta 500 kg ao seu viaduto.Isso sem falar em outras formas eletrônicas de responsabilidade, como os cartões de crédito, contas, chips vinculados e mais documentos, que dão as exatas localização, dimensão e limites inescapáveis do indivíduo na sociedade.
Não devemos estranhar se a próxima revolução na historia da humanidade for a revolução pela salvaguarda do anonimato. Essa revolução, na verdade, já começou pelos hackers e está manifesta em atos de ocupação, que perserveram até a identificação (nomeação) de seus integrantes. Sem falar que o anonimato é o ambiente de onde surgem todos os atores de todas as revoluções. É lá também o lugar onde moram os criminosos e onde ocorrem as ações criminosas, que são, gostemos ou não, as mais básicas ações políticas, engendradas pelos extremos - nem sempre nos extremos - da sociedade.
Há muito tempo, anonimato é um valioso fator de mobilidade e desembaraço. Cada vez mais é uma ferramenta poderosa para quem sabe usá-la.

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