Tuesday, July 23, 2019

Terceiros



Numa estranha manhã estávamos na agência dos Correios só homens, e Helena, uma mulher de meia-idade, bonita, chegou para tomar uma informação, gritando da porta para o atendente. Assim que ela se retirou os clientes na fila do balcão encetaram a conversa, primeiro em surdina, como se temessem a sua volta, depois mais relaxados.
— Mulher não dá sorte a marido! — Comentou um loiro, que tentava ser despachado primeiro.
— A qual deles? — Perguntou outro, mais atrás, um caboclo barbado com a camisa do Barcelona (ou era Paris Saint-Germain?).
— Já foram dois. O primeiro morreu de choque elétrico, o outro, de tétano — respondeu o gaiato que começara no assunto.
— E o atual também quase vai — gritou de dentro do balcão o atendente da agência. — Viajou com a gente para Barra e por pouco não se afogou no Rio São Francisco. Geraldão estava perto e puxou pelo braço.
— Olha aí o risco! – Retornou o loiro. Mas o torcedor do time estrangeiro deu outra opinião:
— Depende! Pode ser que pare no terceiro.
Com essa, o atendente baixou os olhos e mergulhou na papelada.
— Sim, os mistérios têm seus números, mesmo. Quem sabe? — Este era o vigilante da agência, um marmanjo avermelhado que pouco antes falava ao rapaz do futebol sobre saúde, ácido úrico e exercícios. No entanto, já havia se perdido a esperança de o diálogo tomar um rumo racional. O Saint-Germain (ou era Barcelona?) chutou:
— É como a moto dourada que o Raimundinho queria vender. O dono morreu numa batida e a moto não sofreu nada. Ficou para o Raimundinho negociar.
— Que foi que teve? — Indagou o loiro, tranquilo com a fila andando mais rápido.
— Um comprador da capital veio buscar, mas o carro dele virou na estrada.
Como a história ameaçava perecer, este que vos fala, escalado para ser apenas testemunha dos fatos e encaminhar discretamente uma postagem de livros, não se conteve e entrou em campo:
— E a moto, não foi vendida?
— Raimundinho desistiu de passar adiante — voltou o Saint-Germain. – Mas despertou a vontade de ser motociclista. Não naquela moto, assombrada. Resolveu ir em Feira de Santana buscar uma nova. Morreu na volta, de acidente de trânsito.  Se houvesse aceitado a dourada, tinha encaixado na posição certa. Seria o terceiro da fila. Número tem muita importância! 
O vigilante, após fazer complicados cálculos mentais, concordou com aquela súmula.
Chegou a minha vez de ser atendido. Vida que segue!

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