Thursday, February 14, 2008

Morte Líquida 01



Até onde li, as conclusões são as seguintes:

1) Norbert Elias, em A Solidão dos Moribundos, fala que não existe a figura “os mortos”, inclusive a expressão “nossos mortos” remeteria a um conjunto vazio. Os mortos não existem, assegura Elias, a não ser na memória dos vivos, e somente ali. O autor explica que a busca de significado para a existência humana só encontra resposta quando considerado o significado desta vida para outras pessoas (ele condena a idéia do teatro do absurdo, do indivíduo isolado, buscando na solidão uma razão para a sua própria trajetória). Daí explicar o sentido das lápides, que projetam a memória do sujeito para as gerações futuras.

2) Elias fala ainda que a morte e o moribundo causam horror aos vivos primeiro porque avisam da finitude que ameaça a todos e porque uma suposta imortalidade seria a solução para problemas recalcados na primeira infância. Durante a leitura do texto , projetei uma lista de perguntas que estava amadurecendo já havia algum tempo sobre possíveis indagações osbre o morto:


a) Quem é ele? (ele não é mais a pessoa que eu conhecia. É outro, silencioso, que não age mais familiarmente. Quem é, então?)
b) Eu sou ele? (Eu morri? Eu vou morrer?)
c) Isso (a morte) dói nele?
d) A culpa é minha?
e) Se a culpa for minha, ele vai se vingar de mim?
f) O que ele deixa/entrega/quer para/de mim?
g) Ele ainda quer o seu corpo? (ele ainda lhe serve?)
h) O que fazemos com o seu corpo?

3) No tocante à projeção do morto para a as gerações futuras, observo os epitáfios dando conta das “saudades eternas da esposa, filhos, netos...” como uma tentativa de socializar o morto na memória coletiva. A família o trouxe até ali e ele continua integrado a ela, para quem, vivo ou morto, pretenda sabê-lo. O simples fato de se identificar os túmulos diz respeito a conferir uma permanência do falecido na sociedade. Mas, então, o que se pretende é não deixar o morto sozinho. Não para que ele não perca o corpo, ou a alma, mas para que não perca a identidade. O pavor da morte não é, então,a perca desses dois vetores que se supõe na existência religiosa, o corpo e a alma, mas de um elemento mais subjacente e necessário, o ego, o eu, com suas idiossincrasias. O temor da morte é o temor da dissolução máxima, que ultrapassaria corpo, alma ou qualquer outra configuração, é o temor da dissolução do eu.

4) Então contrapõe-se: a Vida é o território do ego, da sua personalidade, da sua mesquinhez, da sua glória, da sua violência e da sua beleza. A morte é a negação do ego. O indivíduo deve ser enterrado pela sua família e passa a integrar as legiões do Céu (crianças como anjos na legião de São Miguel) – diluindo-se nessas identidades coletivas. Pergunta: Como se diferencia nesse caso a morte de indivíduos que tiveram vidas extremamente individualistas? Quanto à herança, se os bens materiais se dividem, o morto é também dividido?

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